segunda-feira, 23 de março de 2015

Noite de Dezembro



"Está quente. Está muito quente. Estou pingando de suor de tanto calor que estou sentindo." Ele repetia mentalmente tentando se convencer de que o calor era real e de que ele não estava, na verdade, tremendo de frio. Ele colocou os braços ao redor de si mesmo, esfregando-os numa vã tentativa de aquecer, pelo menos um pouco, o seu franzino e quase nu corpo.

A neve caía de forma constante ao seu redor. O menino já tinha ouvido falar que às vezes nevava naquela parte do país, mas nunca acreditara porque, até aquele momento, nunca tinha visto neve. No começo ele achou bonito, esticou a língua para que os flocos caíssem nela e ao prová-los não pôde evitar de pensar que esse deveria ser o gosto que os sorvetes tinham. Mas agora ele já não achava a neve mais tão bonita assim. Ela era fria e molhada e havia se transformado em poças lamacentas em algumas partes da rua.

O menino caminhou mais um pouco até que parou em frente à vitrine de uma loja na qual haviam várias televisões expostas. Algumas delas estavam ligadas e o que estava sendo transmitido em uma delas em especial lhe chamou a atenção. Também nevava na tevê, mas lá as pessoas, ao contrário dele, estavam seguras dentro de uma casa. A julgar pelos gorros vermelhos, também era natal no filme que passava na tevê e as pessoas pareciam felizes, reunidas ao redor de uma mesa cheia de comida. No centro da mesa tinha algo que parecia com um frango assado e, literalmente, encheu a boca do menino de água a ponto de fazê-lo babar. 

Vendo aquela cena, ele pensou em ir para casa, mas não podia. Havia prometido ao seu irmão mais novo que lhe daria um presente de natal e não podia voltar para casa de mãos vazias. Talvez na próxima lixeira tivesse um pouco de comida, esse seria o presente perfeito. Mas ele estava tão cansado e com tanto frio que decidiu descansar um pouco antes de continuar. Perto da loja havia um amontoado de neve que parecia muito macio e o garoto resolveu se sentar ali por alguns minutos.

Não demorou muito para que o frio e o cansaço lhe dominassem e as suas pálpebras e o seu corpo começassem a pesar. Ele cedeu ao cansaço e se deitou e, com os olhos entreabertos, viu as pessoas que ainda caminhavam pela rua, mas ninguém o viu. Isso não era novidade para ele, as pessoas raramente o viam mesmo. E enquanto pensava nisso seus olhos se fecharam e ele adormeceu profundamente. Em seus sonhos ele estava ao redor daquela mesa da televisão com seu irmão e seus pais e todos estavam felizes; o sonho era tão real que mesmo dormindo ele sorriu. Enquanto dormia, a sua respiração foi rareando cada vez mais até cessar, mas a neve continuou a cair incessantemente, cobrindo por completo o seu corpo e protegendo para sempre o seu sorriso.



Qualquer semelhança com A Pequena Vendedora de Fósforos não é mera coincidência.

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