quinta-feira, 9 de abril de 2015

Noite de Agosto


Eles entraram na pizzaria dando graças a Deus pela bebê ainda estar dormindo e eles terem conseguido sair de casa um pouco. Enquanto um empurrava o carrinho o outro carregava uma bolsa cheia de trecos de criança, de fralda à brinquedo. Haviam saído sem essa bolsa uma vez e essa, definitivamente, era uma experiência que nenhum dos dois gostaria de repetir.

Sentaram-se em uma mesa, pediram uma pizza portuguesa grande e começaram a conversar:

- Cara, eu nem lembro mais quando foi a última vez em que coloquei um pedaço de pizza na boca ou que coloquei os pés fora de casa sem ser pra comprar algo de criança.

- Eu também não lembro, mas é melhor irmos nos acostumando com isso. Agora que conseguimos oficialmente a guarda dela, sair por sair vai ser algo difícil por pelo menos mais um ano.

- Falando em mudanças na rotina, eu vou amanhã na faculdade trancar a matrícula do curso.

- Eu ainda acho que essa é uma péssima ideia.

- Eu sei que você acha, mas nós já conversamos sobre isso e essa é a melhor opção no momento. 

- Eu não concordo. Eu consegui uma licença de seis meses no trabalho para poder ficar em casa cuidando dela. Não vejo porque você precisa largar a faculdade. Você pode muito bem ficar com ela quando não estiver em aula.

- Primeiro, eu não vou largar a faculdade, eu vou trancar. É só por um período. Segundo, a faculdade pode ser pública, mas eu ainda preciso de dinheiro para livros, transporte e, principalmente, xerox. Eu não trabalho e o teu salário quase não dá para cobrir nossas despesas atuais, imagina se você ainda tiver que bancar meus estudos. Esse tempo longe da faculdade vai servir também para eu conseguir um emprego e podermos organizar nossas finanças. Terceiro, você pode ser um ótimo cozinheiro, mas é um péssimo dono de casa. Se depender de você, nós três viveremos em um chiqueiro e eu não posso permitir uma coisa dessas.

- Ok, você me convenceu. Trancar a faculdade não é uma ideia tão ruim assim, mas só por um período. Depois disso você volta mesmo que ainda esteja desempregado, estamos entendidos?

- Sim, estamos entendidos.

- Ótimo! No fim das contas você tem razão. Só conseguiremos sobreviver a isso e criar essa menina se ficarmos juntos. Não lembro de você sendo tão responsável e sensato, quando foi que isso aconteceu?

- A partir do momento em que eu deixei de ter outra escolha. É impressão minha ou estão todos olhando pra gente?

- Você já se olhou no espelho? Não saímos de casa há tanto tempo que estamos com cara de zumbis. Devem estar todos com medo de que a gente decida comer o cérebro dela como entrada antes da pizza.

- Cara, essa piada foi péssima. Eu realmente espero que ela não tenha o teu senso de humor. - ele ficou pensativo por alguns segundos, encarou o outro e perguntou seriamente - Você acha que conseguiremos?

- Conseguiremos o quê?

- Criá-la sem estragar tudo. Essa situação toda parece tão surreal, tão estranha, tão... errada. Eu só... eu não acho que eu esteja pronto para ser pai.

- Pois eu tenho certeza de que eu não estou. Caramba! Eu tinha me preparado para ser irmão mais velho de novo. Me perguntava o quão diferente ela seria de você e o quanto a diferença de idade afetaria nossa relação. Essa situação não parece surreal, ela é surreal e estranha e errada. Nós deveríamos ser irmãos dela e não pais, mas agora teremos que ser os dois e isso é assustador. Você tem medo de que a gente estrague tudo, mas eu tenho certeza de que, mesmo não estragando tudo, a gente vai errar várias vezes, isso é normal. O importante é que eu sei que mesmo com todas as dificuldades e mancadas nós vamos conseguir fazer isso, nós vamos conseguir criá-la e ela vai se tornar uma mulher maravilhosa. Eu sei disso porque nós não estamos sozinhos. Temos nossos avós e tios para nos apoiar e por mais que não devamos deixá-los interferir em todas as nossas decisões, teremos que aprender a pedir e aceitar ajuda quando necessário. E porque ela é uma sobrevivente. Prova disso é que ela não morreu no acidente junto com nossos pais.

- Nossa! Quem é o sensato agora? Você tem razão, nós vamos conseguir fazer isso, mas isso não quer dizer que eu não vá surtar algumas vezes no caminho.

Os dois pararam de conversar quando o garçom chegou com a pizza. Eles se serviram ansiosos para comerem e mal haviam começado a cortar suas fatias de pizza quando a bebê acordou chorando. Eles haviam aprendido a diferenciar os tipos de choro dela e, portanto, sabiam que aquelas lágrimas não eram de alguém que precisava ser trocada nem eram de fome, mas de saudade.

- Oh minha princesa, vem cá, vem. - disse o mais velho tirando-a do carrinho e pegando-a no colo. - Eu sei que você tá com saudade deles, nós também estamos.

- É verdade. - disse o mais novo enquanto acariciava a cabeça da irmã e beijava-lhe a mão. - Mas você não precisa se preocupar porque cuidaremos muito bem de vocês. Seremos nós três contra o mundo. Isso é uma promessa.

Quem os olhava via dois homens acalentando um bebê, mas nenhum dos dois se sentia como um adulto naquele momento. No fundo, eles eram dois meninos assustados e com saudade dos pais dando o melhor de si enquanto "brincavam" de casinha com um bebê de verdade.



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